Retomando meu espaço depois de tanto tempo.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Dama da Noite - conto

Dama da Noite


Celeste abriu a porta de casa e saiu. Era noite, a rua parecia estar coberta por uma névoa. Ela estava vestida exatamente como uma dama da noite deveria estar: cabelos negros presos em um rabo-de-cavalo, bota de salto fino e sobretudo pretos e seus olhos castanhos escondidos atrás de óculos escuros grandes de aro preto. 

Ao escutar o barulho de seus passos, seu tatuado vizinho de parede, Alexander, olhou pela fresta  de sua porta. Toda noite isso se repetia: ela saía e ele se perguntava para onde ela iria, sozinha, tão linda e tão tarde... Mas dessa vez ele não ficou apenas à espreita. Ele esperou sua Dama da Noite sair correndo pelas escadas e pegou o elevador para segui-la. Quando as portas se  abriram no andar térreo, ele viu aquela misteriosa mulher sair pela porta principal do prédio. Ela ia a passos largos, rápida como um raio, deslizando como uma enguia e ele a seguia, se escondendo nas sombras como um vampiro para não ser visto.

Enquanto caminhava, Alexander se lembrava das várias vezes em que viu Celeste entrar e sair de sua casa, sem fazer nenhum barulho, como se fosse um animal sorrateiro. Sem visitas, sem campainha, sem telefone. Parecia uma casa de um fantasma. O quê faria de sua vida aquela mulher que só dava o ar de sua graça depois das dez da noite? Muitas perguntas na mente de Alexander...

Entre uma sombra e outra, atravessando aquela neblina na noite fria de inverno, ele tentava reparar em alguma coisa que indicasse o destino daquela mulher àquela hora, mas nada, nenhuma pista se mostrava aparente. Sem  bolsa, sem levar nada em suas mãos cobertas por uma luva negra, ela ia cortando a escuridão. Só se escutava o estalar de seus saltos no chão e o barulho da noite. Latidos, uivos, vento nas árvores... Alexander escutava sua respiração ofegante. Ele começou a sentir frio, mas logo percebeu que o que sentia era uma mistura de sentimentos muito complexos para serem resumidos em apenas frio. A curiosidade e a adrenalina da perseguição eram o combustível que o movia agora...

Celeste, que até então seguia reto, apenas atravessando ruas, de repente entrou em uma viela totalmente sem iluminação, fazendo com que Alexander a perdesse de vista por alguns instantes. Ele parou na entrada da viela e escutou barulho de coisas se quebrando... Antes que ele pudesse sentir medo, algo se moveu por entre as sombras e se jogou em cima dele. Alexander, totalmente  aterrorizado, jogado no chão, olhou para trás e viu o que lhe deu tanto pavor: apenas um grande gato preto de olhos brilhantes... Alexander sussurrou para si mesmo, tendo seu corpo tomado por uma tremedeira que nunca havia experimentado:

- Esse maldito gato se assustou com ela, derrubou latões de lixo e, na afobação me atropelou... Apenas isso... Não há motivos para me apavorar...

Tentando se recuperar do susto, Alexander se levantou correndo, pensando ter perdido Celeste de vista. Ele entrou na viela, olhou para os lados e viu quando aquela misteriosa mulher atravessou uma porta de madeira. A porta, ao abrir, fez um barulho que ecoou no bairro e de dentro do lugar saiu uma luz que iluminou a rua escura até seu outro lado.

Quando a mulher entrou, Alexander saiu das sombras e caminhou devagar até aquela porta. Sem barulhos, sem sinal de que havia vida dentro daquele casarão abandonado... Alexander empurrou a  porta entreaberta, a luz refletiu em seus olhos e ele viu, pendurado em um cabideiro, o sobretudo negro de Celeste. Um cheiro de rosas tomou o lugar do cheiro da noite que ele sentia e, então, decidiu entrar. 

Sem fazer nenhum barulho, Alexander ultrapassou a porta. Na sala não havia nada além daquela luz, o cabideiro e o sobretudo. Ele caminhou lentamente até a roupa da mulher e sentiu seu perfume, aquele que parecia grudar nas paredes do seu andar quando ela saía. Enquanto ele estava se embriagando com aquele cheiro, a porta de madeira se fechou fazendo um estrondo que o assustou e ecoou por todo o salão. Imediatamente ele soltou a roupa da mulher e viu que estava totalmente vulnerável. Não havia onde se esconder... Ele pensou então em atravessar o corredor escuro que estava à sua frente e procurar pela mulher. Quando ele entrou no corredor, ouviu uma melodia... Ela estava cantando! Ele disse para si mesmo:

- Que cântico lindo... Que voz!

Alexander parou na escuridão e encostou-se à parede. De um lado a sala com o sobretudo, do outro lado a sala com o desconhecido, o lugar de onde aquela voz saía... Ele fechou os olhos e lembrou-se do envelope preto que viu em cima do tapete da vizinha escrito de vermelho apenas  "Para Celeste...". Foi quando ele descobriu que tinha uma vizinha e que esse era seu nome...

Aquela melodia o estava deixando cada segundo mais curioso sobre a identidade daquela mulher.  Ele, se entregando à curiosidade, resolveu atravessar o corredor e ir na direção da melodia. Saiu da escuridão e viu sua Dama da Noite de costas, no meio daquele salão imenso, com seus cabelos  negros e lisos soltos até a cintura e seu longo vestido preto, parada em cima de milhares de pétalas de rosas vermelhas, mais sensual e provocante do que em qualquer outro dia. 

Ao perceber a presença de Alexander, Celeste parou de cantar e disse baixinho, num quase sussurro, como se sua voz fosse líquida e preenchesse envenenando todo o corpo de seu admirador:

- Eu sabia que você viria...

Alexander ficou surpreso com a segurança da moça. Ela então se virou para ele. Celeste estava sem seus óculos e isso revelou seu olhar sinistro. Sem as luvas, Alexander percebeu que as unhas dela eram longas e vermelhas cor de sangue como o batom em seus carnudos e extremamente sedutores lábios. Seu rosto era branco como neve, seus olhos negros redondos com grandes e belos cílios e enquanto ele admirava aquela beleza estonteante e inacreditável, ela o chamou. Ele, totalmente hipnotizado, apenas obedeceu ao seu comando. Ele foi caminhando lentamente sobre as pétalas de rosas, se aproximando cada vez mais dela. Ao encarar sua musa, sussurrou seu nome:

- Celeste...

Ela o abraçou, olhou dentro de seus olhos, sorriu e disse:

- Celeste sim... Mas pode me chamar de Morte....

Ela o beijou profundamente e o último pensamento de Alexander foi: "Se eu soubesse que você era tão doce, minha bela flor da escuridão, haveria me entregado antes..."

Na manhã seguinte, o jornal da cidade dizia:

"Outro homem é encontrado morto em cima de pétalas de rosas. Ao lado do corpo uma rosa vermelha e um bilhete de mulher que dizia: "Agora você conhece meu encanto... Celeste.”".

--Sonhado e escrito em 2008--

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